App lançado na Ales busca combater crimes contra a infância 1
Idealizador do app, Raphael Câmara disse que país vive “pandemia de abuso de crianças” / Foto: Lucas S. Costa

 

Com um plenário lotado de autoridades e servidores de todos os Poderes e principais órgãos do Estado, a Assembleia Legislativa (Ales) foi palco do lançamento do aplicativo Infância Segura. O evento ocorreu em reunião extraordinária da CPI do Abuso Sexual e Violência contra a Criança e do Adolescente, na tarde desta quarta-feira (20).

O app foi idealizado pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) Raphael Americano Câmara. O presidente da CPI, deputado Dary Pagung (PSB), agradeceu pela deferência com o Legislativo. “O lançamento nesta Casa mostra a união entre os Poderes. É um aplicativo muito significativo”, ressaltou.

O desembargador e presidente do Comitê Gestor de Tecnologia da Informação e da Comunicação do TJES, Pedro Valls Feu Rosa, abriu os pronunciamentos lembrando a triste estatística brasileira de que “apenas 2% de tudo o que acontece nas ruas acaba no mundo das leis”. Feu Rosa vê na ferramenta um canal para que “qualquer um do povo, de forma ágil, simples, possa fazer valer o mundo das leis para defender aquela criança vítima de exploração sexual”.

O idealizador Raphael Câmara explicou que o Infância Segura surge para acabar com as desculpas em um país com tantos canais de denúncias contra esse tipo de crime, mas baixa punição ou resolução diante de uma “pandemia de abuso de crianças”.

“Hoje no Brasil, por dia, morrem assassinadas 110 pessoas. No Brasil são estupradas 100 crianças por dia. Não sei se vivemos no país do assassinato ou no dos estupros. Não sei se nossas forças de segurança estão nos lugares certos. Não sei se a vida humana só se resume aos crimes contra a vida e se não merecem atenção também os crimes contra a dignidade sexual”, refletiu o desembargador.

Câmara considerou sintomático a maioria das denúncias só aparecer nas unidades de saúde. “É preciso mudar isso, é preciso enfrentar isso, é preciso mudar a cultura da subnotificação. Pesquisa recente do Ipea indica que apenas 7% dos casos são notificados. 93% dos casos de estupro essas crianças vão ter que resolver por elas mesmas”, lamentou.

Pensando na eficiência da rede de proteção, o aplicativo condensa diversos canais de denúncias e contato dos órgãos competentes, além dos endereços e telefones de todos os conselhos tutelares do ES. Dispõe também de uma cartilha com informações que esclarecem o que é a violência sexual infantojuvenil. “Esse aplicativo tem que estar no celular das crianças, tem que chegar nas escolas. Que ninguém ouse mais calar uma criança abusada”, conclamou o idealizador.

Proteção às crianças

Os deputados Coronel Weliton (PTB), Delegado Danilo Bahiense (PL), Mazinho dos Anjos (PSDB) e Tyago Hoffmann (PSB) comemoraram o momento, mas também fizeram apontamentos de gargalos que precisam desaparecer a favor de tal combate na sociedade capixaba.

Coronel Weliton disse acreditar que o app será modelo para outros estados, mas que um fator dificultador é a qualidade dos sinais de telefonia móvel no ES, defendendo que o Judiciário deveria fazer um chamamento com as operadoras sobre esse problema. O deputado Mazinho dos Anjos concordou com o colega e afirmou que cidades do interior com índice altíssimo de violência contra mulheres e crianças são as que também apresentam enorme dificuldade de telefonia.

Já Danilo Bahiense destacou que as delegacias especializadas sofrem com falta de efetivo, bem como a situação de diversos conselhos tutelares seria de sucateamento, com alguns sem telefone. Lembrou também que muitas delegacias do interior contam com uma delegada responsável, ao mesmo tempo, por apurar casos envolvendo mulheres, crianças e idosos.

Nos últimos dois anos seriam mais de 3,5 mil casos de abusos contra crianças e adolescentes somente na Grande Vitória, número que poderia representar apenas 15% dos registros contra menores na região, segundo estimativas da própria Polícia Civil citadas pelo deputado.

Bahiense lamentou ainda a situação de meninas capixabas de 10 a 14 anos que “deram à luz a outra criança” nos últimos anos. Depois de registrar 308 casos em 2020, e 300 em 2021, houve uma queda para 215 em 2022, após a cobrança do Legislativo estadual pela agilidade dos delegados na instauração de inquéritos.

O deputado Tyago Hoffmann parabenizou o entrosamento da CPI com o TJES e disse que o lançamento coloca o ES na vanguarda, de um Estado que conta com Poderes em completa independência, mas que não se furtam ao diálogo. “Importante entrelaçar cada vez mais o esforço institucional para a promoção de políticas públicas que melhorem a vida das pessoas”, defendeu.

MPES

A procuradora-geral de Justiça do ES, Luciana Gomes Ferreira de Andrade, apontou as obrigações e algumas ações do Ministério Público estadual (MPES) no combate à violência contra crianças e adolescentes e destacou a importância da integração entre os atores responsáveis. “Temos que trabalhar muito, mas os números vêm demonstrando melhoras, por conta dessa união institucional, interinstitucional e da própria sociedade civil.

Citando uma realidade “pós-pandemia”, Luciana lembrou que muitas vezes os algozes são as pessoas mais próximas da criança, que estão dentro de suas casas.

Sobre o alto índice de casos que chegam às delegacias, a procuradora citou uma força-tarefa do MPES para analisar procedimentos e viabilidade das investigações. “Os números das delegacias são assustadores, mas nós vamos dar conta deles!”, prometeu.