source

A escolha da escritora americana Elizabeth Bishop (1911-1979) como homenageada da próxima Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), vem causando controvérsia entre escritores. Além da surpresa pela opção por uma escritora estrangeira (o que acontece pela primeira vez na história da festa literária), autores lembraram o apoio de Bishop ao golpe militar de 1964 e comentários negativos e preconceituosos sobre o Brasil como os motivos do incômodo com a decisão da curadoria.

Leia também: Flip chega ao fim marcada por momentos de tensão e protestos

Elizabeth Bishop arrow-options
Reprodução/Instagram/@flip_se

Elizabeth Bishop


Opoeta e ensaísta Antônio Carlos Secchin destaca que Bishop falava “mal de praticamente todos os brasileiros” e “reduziu a quase nada a poesia de Manuel Bandeira, além de toda a América do Sul” e questiona o momento para a homenagem da escritora americana na Flip .

“Tenho a hipótese que não houve critério político nenhum para a escolha dela, mas não me pareceu a mais adequada até pelo quadro político atual, em que sabemos que a cultura e a literatura não estão entre as prioridades, para dizer pouco”, afirmou o imortal da Academia Brasileira de Letras.

Secchin lembrou ainda nomes importantes da literatura nacional, como João Cabral de Mello Neto (que comemora seu centenário em 2020), Cecília Meirelles, Jorge de Lima e Murilo Mendes, que não foram homenageados pelo evento.

Leia também: De rojões a cancelamento: O que falta acontecer?

“Não estou falando aqui em critérios nacionalistas obtusos, mas com um plantel de escritores que temos, considerando a obra e esses pontos de certa hostilidade à cultura brasileira (por parte de Bishop), é um posicionamento bastante estranho”, completou Secchin.

Poesia e comida ruim

Numa rede social, o poeta e diplomata Felipe Fortuna começou a publicar trechos de textos de Elizabeth Bishop com críticas e visões negativas sobre o Brasil e artistas nacionais logo após o anúncio da escolha. Um deles aparece em uma carta dela ao poeta americano Robert Lowell:

Manuel Bandeira é delicado e musical e tudo o mais – nada parece sólido ou realmente ‘criado’ – é tudo pessoal e tendendo para o frívolo. Um bom poema de Dylan Thomas vale mais do que toda a poesia sul-americana que já vi, com a exceção, possivelmente, de Pablo Neruda”, diz Bishop no trecho.

De outros escritos como do livro “Brazil”, Foturna destacou descrições preconceituosas feitas sobre o país: “Muitos talentos brasileiros genuínos parecem ir para a cama muito cedo — ou para as redes”, escreveu a poeta.

Além disso, encontrou até críticas mais prosaicas, como seu pouco apreço pela gastronomia brasileira: “Goiabada, acompanhada de queijo branco, é a sobremesa favorita do Brasil. (…) Talvez porque os brasileiros sejam em geral indiferentes à cozinha, como são ao conforto físico, a comida seja muito ruim”.

Leia também: “A máscara de Sergio Moro caiu para sempre”, diz Glenn Greenwald

O escritor Marcelo Moutinho ressaltou ser admirador de sua obra. Porém, lembrou que sua simpatia ao regime militar está documentada em cartas da autora como algumas publicadas na revista “Piauí”, onde ela afirma que o golpe foi “uma revolução rápida e bonita”.

“Todas as pessoas têm o direito de errar, e de fazer suas próprias revisões. Não me filio a patrulhas eternas. Me pergunto, porém, se nesse momento de loas efusivas à ditadura, e mesmo à tortura, não seria o caso de prestar tributo a quem tenha uma história de compromisso com a democracia sem maiores hesitações”, escreveu Moutinho.

A escritora portuguesa Alexandra Lucas Coelho comentou numa rede social que não compreendeu a escolha da Flip pela autora americana. “No momento que o Brasil vive, é a mensagem oposta do que seria preciso. Uma poeta estrangeira que morou no Brasil olhando-o do alto do seu horror às massas, que apoiou com alívio o golpe militar de 1964”, afirmou Alexandra.

Fonte: IG GENTE